Otimista, o governo estima concluir metade da obra de R$ 1,5 bilhão até o fim de 2010. Até agora, porém, apenas 93 km dos 408 km contratados foram efetivamente terminados, informa o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Em 12 trechos, só 23% foram finalizados até aqui. Outros 506 km da estrada, que figura como prioridade no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), ainda são um esboço dependente da contratação de empreiteiras - isso equivale a 45% do total da obra.
Os trechos em convênio com o Exército são alguns dos mais atrasados. Ainda assim, a confiança na pavimentação da BR neste ano é tanta que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve inaugurar, em julho, um pequeno trecho de 5 km que corta a cidade de Novo Progresso, mas que ainda liga o nada a lugar nenhum.
Embora em ritmo demorado, a rodovia registra alguns trechos um pouco mais avançados, onde é possível avistar as máquinas dos sete consórcios empreiteiros e dos dois batalhões de engenharia do Exército.
A movimentação de peões e máquinas já excita os moradores das cidades do eixo da BR-163 e desperta a cobiça de empresários por oportunidades futuras, sobretudo em infraestrutura, agroindústria e serviços. A construção de pontes, galerias pluviais e obras de drenagem e terraplenagem sinaliza aos empreendedores a chance de bons negócios.
No fim de maio, o Valor acompanhou um grupo de empresários durante as vistorias do diretor-geral do Dnit, Luiz Antônio Pagot, às obras da rodovia. "A BR vai ser um forte vetor de atração de capital. Estamos fazendo devagar, mas bem feito. Temos 2 mil máquinas nos trechos e toda a estrada já está em obras", disse Pagot.
Ao longo de 1,3 mil km, de Sinop (MT) a Santarém (PA), a comitiva foi efusivamente recebida por políticos e lideranças locais com foguetórios e propostas de investimento.
Grandes grupos, como Bertin e Amaggi, aguardam avanços na BR para tirar planos do papel. "Itaituba, por exemplo, vai virar um porto importante para escoar os grãos do norte de Mato Grosso", disse o ex-governador Blairo Maggi, dono da Amaggi. "Estamos aqui por isso, já que progresso não passa em estrada de chão nem dorme no escuro", discursou em Rurópolis, no entroncamento da Transamazônica com a BR-163.
O prefeito local, Aparecido Florentino (PMDB), fez apelos à caravana. "Invistam aqui, por favor". Sob o sol abrasador, o administrador do porto de Santarém, Celso Lima, informou que aplicará R$ 68 milhões na expansão das instalações em 2011.
"A demanda vai passar de 6 milhões para 10 milhões de toneladas de grãos por ano. E teremos madeira e carga frigorificada. Tudo alfandegado", previu. A multinacional Cargill, segundo Lima, ampliará sua área portuária para receber outras 5 milhões de toneladas de grãos das novas fazendas de soja e milho da região.
Em Castelo de Sonhos, o gerente da usina Curuá, controlada pelos grupos Bertin e Dias, revelou que as empresas têm um projeto de R$ 6 milhões para levar aos confins do Pará "banda larga" de internet por meio de 150 km de cabos de fibra ótica, a partir de Guarantã do Norte (MT). "Teremos uma demanda forte por aqui", previu Flávio Belloni.
Uma das maiores empresas de leilão de gado do mundo, que chegou a vender 31 mil bois em uma tarde, a Estância Bahia já começou a comercializar rebanhos da região. "Num raio de 200 km de Castelo, existe 1,5 milhão de bois. É muito gado. Vamos fazer muito negócio aqui", disse o empresário Maurício Tonhá.
No mesmo tom entusiasmado, Aldo Locatelli, cuja rede de postos fornece 10% de todo o óleo diesel consumido em Mato Grosso, planeja ampliar os negócios. "Temos muito interesse, mas depende desse asfalto sair", ressalvou. O dono da Verde Transportes, ex-Real Norte, prevê aumentar a frota de 150 ônibus para atender à nova demanda que virá com o asfalto. "Vamos dobrar o movimento em pouco tempo. Hoje, ficamos sem rodar alguns dias do ano por causa dos atoleiros", disse Eder Pinheiro.
Dono da revenda Mitsubishi em Cuiabá, Paulo Boscolo colocou a 163 no radar. "Essa região tem muito futuro. Estamos testemunhando um momento que vai ficar na história", disse na viagem. O empresário Joci Piccini, dono da revenda New Holland em Lucas do Rio Verde (MT), também entusiasmou-se. "Esse asfalto vai, finalmente, chegar. Depois disso, nossa região vai ter outro impulso. E vamos participar", afirmou.
Ao longo dos três dias de viagem pela BR-163, os empresários identificaram as oportunidades, mas constataram a morosidade das obras. Em alguns trechos, máquinas novas se perfilavam sem trabalhar. Em outros, a terra batida molhada para a passagem da comitiva denunciava a preocupação em impressionar a caravana.
E toparam com o ceticismo de parte dos moradores. "Só acredito vendo", resumiu o potiguar Francisco Nogueira, 75 anos. Há 20 anos em Castelo de Sonhos, ele lembra de ter levado 11 horas para chegar a Cuiabá e implantar um marca-passo. "Foi um desespero".
Em Trairão, o produtor Elias Alves Pontes também duvidava do asfalto: "Todo ano de política é assim. Prometem tudo, mas o asfalto nunca chega". Em Novo Progresso, o vereador Ubiraci Soares (PT) ironizou: "É um momento histórico. Foi a primeira vez que vimos a Polícia Rodoviária por aqui", disse ele.
Há dois anos, a reportagem do Valor percorreu a BR-163 entre Sinop e Novo Progresso. De lá para cá, pouca coisa mudou. Fora os "batedores" da Polícia Rodoviária Federal, e alguns poucos PMs locais, a estrada continua sem patrulhamento efetivo.
As fazendas de gado continuam a todo vapor, mesmo aquelas em situação irregular localizadas dentro da Floresta Nacional do Jamanxim. Em Castelo de Sonhos, os pecuaristas querem liberar 580 mil hectares ocupados de forma ilegal para seguir produzindo. "É um direito nosso", disse Nelci Rodrigues, presidente da associação dos produtores.
No eixo da estrada, ainda jazem enormes castanheiras queimadas em pé. E caminhões abarrotados de toras de madeira seguem o percurso esburacado. A população das localidades continuam a reclamar mais atenção do Poder Público para a urgência de sua presença na região, ainda assolada por grileiros, pistoleiros e crimes ambientais. O plano federal de regularização fundiária começou a engatinhar, mas ainda não foi concluído
Reginaldo Ribeiro / Ascom Valor Econômico
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